Vermelho sob o sol de outono

27/05/2006

Vermelho sob o sol de outono

Olhou como quem buscava, viu o que queria, pensou no melhor dos mundos.

O que haverá no interior daquele emaranhado vermelho sob os olhos azuis profundos que me possa fazer feliz, bem feliz, imaginou com seu zíper, já que não usava botões?

Nada demais, nem de menos, por favor, que os excessos, inclusive de faltas, já tomaram muito espaço, e chegou a hora de dar um basta.

Um pouco de normalidade criativa, de tranqüilidade transgressora e quem sabe uma boa tarde rolando pra lá e pra cá.

Foi assim, com o espírito desarmado, que pensou em se jogar _para fora de um círculo vicioso de desculpas e favores, para dentro de uma nova nuvem branca que estava passando desavisada.

Mas sempre há uma certa ansiedade, um pouco de medo de: a) demorar demais para se jogar e a nuvem ir embora; b) se jogar e haver uma pedra de granizo dentro da maciez aparente.

Mas a vida é assim, meu velho, há que se decidir e ir em frente porque atrás vem gente. “Atrás/ na frente/ em cima/ embaixo/ entre”, cantarolou já praticamente decidido a ir lá e mandar um “dá licença, posso sentir o cheiro dos seus cabelos?”

Sim, acreditou, haverá afinidades, amigos comuns, vontade de comer carambola, vinho tinto cabernet sauvignon, Jack Johnson e Pretenders, até mesmo uma ou outra coisa do Rei.

Quem sabe vontade de viajar no fim de semana apostando que o sol vai sair apesar do frio, fazer yoga no gramado, tomar banho de rio, sentir cheiro de madeira queimando na lareira e achar que a vida, sim, vale a pena, na medida mesma do tamanho das almas envolvidas.

Vamos nessa?

Foi.

Foi e viu que nada como um dia depois do outro (a mãe estava como sempre certa…), assim como quem espera sempre alcança (outra dela, mãe).

Foi e redescobriu que detestava gente viciada em estresse, que workaholic é uma pessoa doente, que a inquietação nem sempre é sinônimo de criatividade e êxito.

Ou seja, quis, e assim o fez, deixar para trás tudo o que se convertera, nos últimos tempos, numa verdadeira corrida de obstáculos em direção ao nada.

Para flanar, e assim também o fez com empenho, na superfície plana e macia de um ventre ligeiramente eriçado.

Achando, e isso era de fato instigante, que até dava para ser feliz com alguém.

Luiz Caversan, 50, é jornalista. Foi repórter especial e diretor da Sucursal do Rio da Folha. Escreve crônicas sobre cultura, política e comportamento aos sábados para a Folha Online.E-mail: caversan@uol.com.br

Individualidade e Indivisibilidade

Individualidade e Indivisibilidade

Poucas paisagens eram tão agradáveis pra mim quanto olhar o por do sol de verão do último andar do prédio novo da PUC de São Paulo.

Por uma feliz coincidência do destino existem poucos prédios na frente e por um acaso mais feliz ainda, é possível se ver ao longe a Zona Oeste de São Paulo e um pedaço da Zona Norte.

Conforme a noite chegava pouco a pouco, as luzes da cidade começavam a se acender, e é era possível ver a distância, aquilo que o dia tornava indiferente. Pensava comigo, em cada luz daquela existem uma ou mais pessoas, com idéias tão exclusivas quanto as minhas, com um olhar tão diferenciado quanto o meu sobre as coisas do mundo.

Em cada uma daquelas luzes existem pessoas, com as idéias mais iluminadas e sinistras do mundo, em cada uma daquelas luzes existem um ou mais mundos com alegrias, tristezas, medos, sonhos e esperanças. E até mesmo do alto de algum outro prédio na Zona Oeste, esteja alguém venho ao longe a estranha forma do chamado prédio novo da PUC e pensando da mesma forma que eu.

Essa individualidade é o que torna essa espécie humana tão fascinante, bilhões de seres humanos, reagindo a trilhões de impressões todos os dias, todos os instantes, encaixadas em moldes ora largos, ora justos demais que regulam atividades, relacionamentos e linhas de conduta.

Existe uma tendência muito grande a comparar pessoas com grãos de areia, acho matéria muito inerte, não gosto da comparação. Prefiro compará-las a representação da água em estado de ebulição, onde nos desenhos de escola víamos átomos ensandecidos, colidindo com a parede de recipientes imagináveis numa agitação frenética. As pessoas são assim, experimente tirar a forma e o padrão e veremos como essas idéias perdem o controle. Tiramos o recipiente imaginário, os átomos se dispersariam, nós também.

Palavras negativas, Pensamentos negativos, Vidas negativas.

“O Cara” é o pai de toda a conspiração e provavelmente o destino da vida deles está em suas mãos.

É impressionante como falar mal das pessoas rende. Rende horas de papo, suposições, conspirações, conchavos.

Experimente o inverso, já fiz esse teste. Durou cinco minutos porque foi o tempo que a pessoa precisou pra dizer: “O Cara” é legal.

Mas como o que rende é falar mal, vamos falar mal sobre falar mal. Meter a boca na vida alheia ou no alheio é o ópio do povo, impressionante. Ta estressado no trabalho, nada como uma boa roda na hora do almoço para meter a boca em alguém. Vamos chamar esse alguém daqui pra frente de “O Cara”.

Começa sempre com um – você viu o que “O Cara” falou? OU ? você viu o que “O Cara” fez. Pronto, nesse ponto o interlocutor já conseguiu ganhar a atenção da platéia, é como se todo mundo já estivesse esperando a desgraça sair da boca do sujeito e preencher a carência de catástrofe dos demais.

Depois do evento narrado, vem sempre aquele com cara de conteúdo dizendo ? Ahhh, é por isso que…. – Ou então ? Eu sabia que isso ia acontecer quando.

Depois de todos chegarem às conclusões vem a consumação de que “O Cara” é o pai de toda a conspiração e que provavelmente o destino da vida deles está em suas mãos.

O próximo passo é começar a bolar planos para impedir que “O Cara” domine o mundo (diga-se de passagem ele nem sabe que está tentando dominar) e transforme todos eles em escravos zumbis. Aí, chega a hora de voltar a realidade e voltar ao convívio com ?O Cara?. Só que a essa hora estão todos tão cheios do “O Cara” que nem mesmo dá pra olhar pra ele, que dirá cumprimentá-lo, ajudá-lo ou etc…. Em um almoço “O Cara” foi, julgado e sentenciado ao exílio. E a situação que era apenas uma situação virou um outro fato.

Quantas vezes isso acontece por dia, quantas vezes, essas rodinhas negativas crucificam pessoas, que às vezes só estavam trabalhando, só estavam conversando, só estavam viajando, só estavam fazendo aquilo que deveriam fazer e ninguém mais tem a ver com isso.

Devemos ter cuidados antes de fazer julgamentos rápidos. Ou somente tentar falar negativamente de quem está presente para se defender.

– Grandes pessoas falam sobre idéias.
– Pessoas medíocres falam sobre coisas.
– Pessoas pequenas falam sobre pessoas.

Luzes na Estrada

Viajei muito com meus pais, principalmente quando tinha a idade na qual 30 km de distância era uma longa viagem e a sensação era de que iria conhecer uma outra galáxia. De certa forma naquela idade realmente eu estava descobrindo um mundo novo como toda criança.

O tempo passa e as distâncias ficam menores, o mundo fica incrivelmente menor depois que você passa mais de 10 horas abordo de um avião.

Daquela época, nos prelúdios da consciência que tenho agora, trago a imagem das luzes que despontavam com a chegada do noturno, luzes distantes no meio do nada, no meio do mato. Aquela luzinha que você vê da estrada.

E ficava imaginando como ainda fico, como será a vida daquelas pessoas, o que elas comem, como elas chegam lá, o que fazem?

Como será a realidade daquelas pessoas? Realidade, talvez seja a palavra mais ardilosa que existe. Assim como a maior façanha do diabo foi provar para todo mundo que ele nunca existiu, a da realidade talvez seja a de forçamos a acreditar que o que vemos é o real e o normal.

Pare e veja a sua vida, se você lê esse texto, você provavelmente estará utilizando a internet, milhões de pessoas conectadas por meio de fios umas as outras. Agora pare, e volte naquela casinha no meio do nada. Será que podemos dizer que é a mesma realidade? Talvez quem more lá nunca tenha visto um computador, e não tenha a mais pálida idéia do que seja internet. Alias talvez ele não tenha a mais pálida idéia de muitas coisas que nem damos mais importâncias por terem se tornado banalidades na nossa vida. Como um chuveiro, por exemplo ou uma fruteira na sala de jantar.

Mas a realidade segundo a própria realidade, é aquilo que realmente existe, é o fato, é o real. Só que para sabermos se algo é real, precisamos conhecê-lo ou simplesmente aceitar sua existência. Dessa forma lhes apresento outro paradoxo.

Se aquilo que é real pertence somente ao que conhecemos, então acabamos de popular o mundo com bilhões de coadjuvantes que apenas passam pela sua vida. Como alguém que atravessa a rua na sua frente.

Se olharmos do ponto de vista do aceitar, vamos nos perder em um emaranhado de subjetividades pessoais, onde mitologia e sonho podem tomar forma no suposto mundo real.
De qualquer forma a realidade é algo tão frágil que não sobrevive a um porque. Comece a perguntar o porque das coisas e verá que mundo novo e maravilhoso existe a sua volta. Ou não…..